Marcel Souto Maior (escritor)

A Pele do Rinoceronte

 

Nas noites de segunda e sexta-feira, ele colocava o Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, embaixo do braço e ia para o Centro Luiz Gonzaga.

Seguia à risca uma instrução ditada por Emmanuel: fidelidade irrestrita a Jesus Cristo e a Kardec, o codificador da doutrina espírita. O guia do outro mundo levava tão a sério este mandamento que um dia chegou a determinar a Chico:

- Se alguma vez eu lhe der algum conselho que não esteja de acordo com Jesus e Kardec, fique do lado deles e procure me esquecer.

O Aprendiz de Curandeiro (1)

 

Chico tinha pouco tempo para estripulias profanas. Carregava um vulcão na cabeça. As erupções, incessantes, geravam bateladas de livros. Em 1940, ele lançou três novos títulos ainda faltavam dezenove para ele atingir a cota de trinta combinada com Emmanuel. Mas os romances e poemas do além causavam menos impacto do que os textos que ele começava a escrever em sessões realizadas entre amigos espíritas: os recados enviados do céu por parentes mortos a suas famílias.

Muito prazer, Emmanuel

 

Chico se sentia sozinho apesar das visitas esporádicas da mãe e das sessões no Centro Luiz Gonzaga. Para escapar do coro dos céticos, ele arrastava os pés pelas ruas de terra do arraial e, com os sapatos sempre frouxos, tomava o rumo do açude.

Aquele era seu refúgio. Ali, ele se encolhia a sombra de uma árvore, na beira da represa, encarava o céu e rezava ao som das águas. Em 1931, o bucolismo da cena deu lugar ao fantástico.