Muito prazer, Emmanuel

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Capítulo: 
-
Espírito(s): 

 

Chico se sentia sozinho apesar das visitas esporádicas da mãe e das sessões no Centro Luiz Gonzaga. Para escapar do coro dos céticos, ele arrastava os pés pelas ruas de terra do arraial e, com os sapatos sempre frouxos, tomava o rumo do açude.

Aquele era seu refúgio. Ali, ele se encolhia a sombra de uma árvore, na beira da represa, encarava o céu e rezava ao som das águas. Em 1931, o bucolismo da cena deu lugar ao fantástico.

O rapaz teve sua conversa com Deus interrompida pela visita de uma cruz luminosa. Franziu os olhos e percebeu, entre os raios, a poucos metros, a figura de um senhor imponente, vestido com túnica típica de sacerdotes. O recém-chegado foi direto ao assunto.

- Está mesmo disposto a trabalhar na mediunidade?

- Sim, se os bons espíritos não me abandonarem.

- Você não será desamparado, mas para isso é preciso que trabalhe, estude e se esforce no bem.

- O senhor acha que estou em condições de aceitar o compromisso?

- Perfeitamente, desde que respeite os três pontos básicos para o serviço.

Diante do silêncio do desconhecido, Chico perguntou:

- Qual o primeiro ponto?

A resposta veio seca:

- Disciplina.

- E o segundo?

- Disciplina.

- E o terceiro?

- Disciplina, é claro.

Chico Xavier concordou. E o estranho aproveitou a deixa:

- Temos algo a realizar. Trinta livros para começar.

O rapaz levou um susto. Como iria comprar tinta e papel? Quem pagaria a publicação de tantos títulos? O salário de caixeiro no armazém de Felizardo mal dava para as despesas de casa, os 13 mil-réis mensais eram gastos com catorze irmãos; seu pai era apenas um vendedor de bilhetes de loteria.

Chico arriscou uma previsão.

Papai vai tirar a sorte grande?

O forasteiro encerrou as apostas:

- Nada, nada disso. Sorte grande mesmo é o trabalho com fé em Deus. Os livros chegarão por caminhos inesperados.

O roteiro estava escrito. Restava ao matuto de Pedro Leopoldo - seguir as instruções. Seus passos, tropeços e quedas, muitas quedas, seriam acompanhados de perto por aquele estranho a cada dia mais íntimo, O nome dele: Emmanuel, o mesmo que tinha se apresentado a Carmem Perácio quatro anos antes. A missão: guiar o rapazote e evitar que ele fugisse do script traçado no além. Chico deveria colocar no papel as palavras ditadas pelos mortos e divulgar, por meio do livro, a doutrina dos espíritos.