A Caridade Desconhecida

Versão para impressãoVersão para impressão
Livro: 
Capítulo: 
20
Espírito(s): 

 

A conversação em casa de Pedro versava, nessa noite, sobre a prática do  bem, com a viva colaboração verbal de todos.

Como expressar a compaixão, sem dinheiro? Por que meios incentivar a beneficência, sem recursos monetários?

Com essas interrogativas, grandes nomes da fortuna material eram invocados e a maioria inclinava­se a admitir que somente os poderosos da Terra se encontravam à altura de estimular  a piedade ativa, quando o Mestre interferiu, opinando, bondoso:

—  Um sincero devoto da Lei foi exortado por determinações do Céu  ao  exercício da beneficência; entretanto, vivia em pobreza extrema e não podia, de modo algum, retirar a mínima parcela de seu salário para o socorro aos semelhantes. Em verdade, dava de si mesmo, quanto possível, em boas palavras e gestos pessoais de conforto e estímulo a quantos se achavam em sofrimento e dificuldade; porém, magoava­lhe o coração a impossibilidade de distribuir agasalho  e pão com os andrajosos e famintos à margem de sua estrada. Rodeado de filhinhos pequeninos, era escravo do lar que lhe absorvia o suor. Reconheceu, todavia, que, se lhe era vedado o esforço na caridade pública, podia perfeitamente guerrear o mal, em todas as circunstâncias de sua marcha pela Terra. Assim é que passou  a extinguir, com incessante atenção, todos os pensamentos inferiores que lhe eram sugeridos; quando  em contacto com pessoas interessadas na maledicência, retraía­se, cortês, e, em respondendo a alguma interpelação direta, recordava essa ou aquela pequena virtude da vítima ausente; se alguém, diante dele, dava pasto à cólera fácil, considerava a ira como enfermidade digna de tratamento e recolhia­se à quietude; insultos alheios batiam­lhe no espírito à maneira de calhaus em barril de mel, porquanto, além de não reagir, prosseguia tratando o ofensor com a fraternidade habitual; a calúnia não  encontrava acesso em sua alma, de vez que toda denúncia torpe se perdia, inútil, em seu  grande silêncio; reparando ameaças sobre a tranquilidade de alguém, tentava desfazer as nuvens da incompreensão, sem alarde, antes que assumissem feição tempestuosa; se alguma sentença condenatória bailava em torno do próximo, mobilizava, espontâneo, todas as possibilidades ao seu alcance na defesa delicada e imperceptível; seu  zelo contra a incursão e a extensão do mal era tão fortemente minucioso que chegava a retirar detritos e pedras da via pública, para que não oferecessem perigo aos transeuntes. Adotando essas diretrizes, chegou ao termo da jornada humana, incapaz de atender às sugestões da beneficência que o mundo  conhece. Jamais pudera estender uma tigela de sopa ou ofertar uma pele de carneiro  aos irmãos necessitados. Nessa posição, a morte buscou­o ao tribunal divino, onde o  servidor humilde compareceu  receoso e desalentado. Temia o julgamento  das autoridades celestes, quando, de improviso, foi aureolado por brilhante diadema, e, porque indagasse, em lágrimas, a razão do inesperado prêmio, foi informado de que a sublime recompensa se referia à sua triunfante posição na guerra contra o mal, em que se fizera valoroso empreiteiro.

Fixou o Mestre nos aprendizes o olhar percuciente e calmo e concluiu, em tom amigo:

— Distribuamos o pão  e a cobertura, acendamos luz para a ignorância e intensifiquemos a fraternidade aniquilando a discórdia, mas não nos esqueçamos do  combate metódico e sereno contra o mal, em esforço diário, convictos de que, nessa batalha santificante, conquistaremos a divina coroa da caridade desconhecida.