Cícero Pereira

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Quem visse aquele homem de estatura mediana, humilde, simples, sóbrio e austero, escondido atrás de óculos de grossas lentes, jamais suporia estar diante de um professor, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, poliglota e esperantista, possuidor de grande erudição e inteligência vulgar.

Cícero dos Santos da Silva Pereira nasceu em São José do Gorotuba - então distrito de Grão Mogol, Minas Gerais - em 11 de novembro de 1881. Foi o segundo filho de Ludovica e Manoel José da Silva Pereira, pais também de Ulisses (primogênito), Ezequiel e Maria Lisbela.

Desde pequeno, o menino Cícero revelou profundo interesse pelos problemas espirituais, iniciando-se aos 13 anos no estudo da Doutrina Espírita, sob a orientação segura de Antônio Loureiro, grande expositor espírita que conhecera em Montes Claros/MG, e do qual se tornou amigo e admirador.

Espírito evoluído, inteligência lúcida e trabalhador incansável, fez de sua vida um evangelho de amor, no exercício da fraternidade e no cultivo da Doutrina de Kardec a que se dedicou com total zelo.

Fez o curso primário na escola pública de São José do Gorotuba, transferindo-se em 1894 para Montes Claros, a fim de cursar a Escola Normal daquela cidade, estabelecimento no qual, na condição de professor recém-formado, iniciou-se no magistério, chegando a ocupar, por indiscutível mérito, o cargo de diretor. Foi nessa Escola que conheceu aquela que viria a ser a companheira devotada de sua vida: Guiomar Léllis, sua aluna.

Casaram-se em 5 de março de 1903, em Riacho do Mato, município de Porteirinha, onde ambos foram professores. Dessa união não houve filhos biológicos, mas adotaram o menino Ruy Sócrates Loureiro, que se formou em Direito. Imenso é o número de filhos espirituais que o casal foi gerando por toda a vida, além dos sobrinhos Antônio dos Santos, José, Joffre e Geraldo Léllis, acolhidos amorosamente em seu lar.

Na cidade de Grão Mogol, para onde regressou em 1909, exerceu o magistério e foi prefeito, coletor estadual e colaborador assíduo do jornal local. Ali, levantou a bandeira do Espiritismo, conseguindo reunir elevado número de adeptos, mercê de sua simpatia, cultura e talento de grande orador.

Em vista disso, a perseguição religiosa se fez sentir sobre ele durante os quase dez anos que ali permaneceu. Como cristão autêntico, suportou todas as agressões recebidas com a maior serenidade e tolerância, amparado pelos amigos espirituais que sempre o assistiram.

Removido em 1920 para Montes Claros, assumiu a gerência do Banco da Lavoura e, junto com colegas de magistério, reorganizou a antiga Escola Normal, da qual foi eleito diretor, assumindo também a atividade docente que ali desenvolvera anos seguidos. Foi escolhido para ocupar a cadeira número 27 da Academia Montesclarense de Letras. Em homenagem póstuma, seu nome foi dado a uma rua no bairro dos Santos Reis, por força do decreto municipal número 778 (de 31 de julho de 1967).

Mudou-se para Belo Horizonte em 1927, como funcionário da matriz do Banco da Lavoura, e dedicou-se ao magistério público - função em que se aposentou. Fundou o jornal O Tempo, ao qual deu sua melhor colaboração. Tornou-se um dos primeiros sócios da União Espírita Mineira, à época sob a direção do amigo Antônio Lima, ocupando o cargo de 1º Tesoureiro. Cultor do Esperanto, foi grande propagandista da língua criada por Zamenhof.

Em março de 1935, Cícero Pereira fez ressurgir o jornal da UEM, figurando seu nome como redator-secretário, no Ano I da Segunda Época e, no Ano II, como regente de O Espírita Mineiro. O número 5 deste Jornal registra a doação de quatro mil réis, feita por Cícero Pereira, para ajudar na aquisição da antiga sede da UEM, na Rua Curitiba, 626.

Como prefeito de Grão Mogol no biênio 1935-1936, deixou a marca de sua capacidade administrativa. Foi eleito Presidente da União Espírita Mineira em 1936, terminando o mandato em 1940. Assumiu, então, o cargo de Vice-Presidente, que ocupou até pouco antes da desencarnação.

Seu nome está indissoluvelmente ligado a várias instituições do nosso Estado, entre as quais o Grupo Espírita Paz e Caridade; o Grupo Espírita dos Trabalhadores Humildes; o Grupo Espírita Perseverança; o Abrigo Jesus – que ajudou a fundar com Leonardo Baumgratz, Alencar Braga, Osório de Moraes, César Burnier Pessoa de Melo, Rodrigo Agnelo Antunes, Francisco Cândido Xavier, Salvador Schembri, Rubens Romanelli, Oscar Santos e outros; a Casa Transitória - que fundou com Maria de Lourdes Carvalho -, entidade inspiradora de obras similares em Brasília e São Paulo; o Centro Espírita Amigos na Dor, em Boa Esperança; e o Grupo das Samaritanas, que mantém a Creche Vovó Guiomar em funcionamento no local onde residiam o Prof. Cícero Pereira e sua esposa Guiomar Léllis Pereira, na rua Bonfim, 360, em Belo Horizonte.

Francisco Cândido Xavier era tido como um filho querido do Prof. Cícero Pereira. Disse o querido Chico: “Achava-me me grandes dificuldades no desdobramento de minhas atividades mediúnicas, após a publicação do Parnaso de Além-Túmulo, em 1932, e precisava ouvir um companheiro que me auxiliasse nos esclarecimentos de que necessitava. Nosso caro Professor, não só me recebeu com imensa bondade, como também me franqueou a própria moradia, onde, por muitas vezes, tive o privilégio de ouvi-lo, tanto quanto à sua querida esposa D. Guiomar, sobre os mais variados problemas da vida, com o que ambos me fortaleceram a fé no estímulo ao trabalho de que foram exemplos vivos em nosso mundo.”

Confessou Cícero Pereira a D. Áurea Netto Pinto, Presidente do Grupo das Samaritanas, quando esta o visitou no hospital, no dia 24 de junho de 1948, que deveria desencarnar naquele dia do “meu Elias”, como costuma dizer, mas o Senhor lhe concedera mais algum tempo na Terra. Momentos antes, Chico Xavier fora abraçá-lo, e ele sussurrou à visitante com a voz entrecortada de soluços e os olhos cintilantes, agora umedecidos: “Que pena a senhora não ter chegado um minuto antes; nosso Chico acaba de me dar uma notícia tão confortadora: que eu reencontrei em Samaritana uma filha muito querida, de outras eras.”

Samaritana era D. Áurea, que assim conclui seu relato:  “Ele soluçava. Soluçamos juntos, enquanto eu depositava, em suas mãos santas e benfazejas, um beijo de filial ternura. E abraçados os três - ele, D. Guiomar e eu - choramos de emoção, de feliz e grata emoção.”

Assim era esse homem bom chamado Cícero Pereira ou, simplesmente, Professor Cícero, que desencarnou em 4 de novembro de 1948, pouco antes de completar 67 anos de idade. O abnegado Professor jamais se recusou a atender qualquer chamado para um passe a um necessitado. Sua palavra mansa, doce, amorosa era remédio infalível para os doentes do corpo ou da alma. Sua autoridade apostólica era irresistível e seus passos deixaram rastros de luz.

 

Fonte:  Jornal “O Espírita Mineiro” (maio/junho - 2003).